Por Sempa Sebastião – Jornalista

Há vozes que não se calam porque nasceram do vício da arrogância. André Ventura é uma dessas vozes. A sua retórica contra Angola e contra o povo africano não é nova: é o prolongamento moderno da ideologia salazarista que ainda habita os porões mentais de muitos portugueses. Quando um político português se levanta para insultar a independência de Angola, ele não fala apenas por si ele fala pela nostalgia do império perdido, pela frustração de um país que ainda não superou o trauma de ter deixado de ser dono da África.

A independência de Angola não foi um presente. Foi conquistada à custa de séculos de escravidão, pilhagem, humilhação e sangue. Antes de querer dar lições de moral ou de gestão a um povo livre, Ventura devia abrir os livros da história e encarar os crimes do colonialismo português: aldeias queimadas, famílias destruídas, homens e mulheres tratados como animais, crianças arrancadas dos pais para trabalhar em plantações. Portugal construiu as suas cidades com o suor e os diamantes de África. Lisboa iluminou-se com o petróleo, o algodão, o cacau e o ouro africano.

Mas hoje, em pleno século XXI, Ventura tem a ousadia de falar de “corrupção africana”, de “governos incompetentes”, de “imigrantes angolanos que procuram viver em Portugal”. Ele esquece ou finge esquecer que foi o próprio colonialismo português que destruiu as bases do desenvolvimento africano, roubando tudo o que podia e deixando a pobreza como herança. Que moral tem um país que manteve colónias até 1975, que censurava a imprensa, que proibia o ensino da língua africana e que matou milhares de angolanos em massacres como o de 1961?

Ventura fala como se Portugal fosse um modelo de pureza. No entanto, mais de 68% das empresas portuguesas que prosperam hoje vivem às custas de contratos em Angola. Bancos, construtoras, exportadores e comerciantes portugueses continuam a beneficiar da economia angolana, enviando lucros todos os anos para Lisboa. Portugal sobrevive, em grande parte, graças à riqueza africana uma verdade que Ventura nunca terá coragem de admitir.

Quando ele acusa o povo angolano de “fugir para Portugal”, devia lembrar que há milhares de portugueses que fazem filas em frente à embaixada de Angola, buscando visto para trabalhar, investir e viver num país que, apesar de todos os desafios, continua a crescer. A arrogância de Ventura é o reflexo da ingratidão de quem come o pão e cospe na mão que o alimenta.

A fala desse político é perigosa porque tenta reacender o espírito do colono aquele que se acha civilizado e considera o africano incapaz. Ele quer humilhar o povo que se libertou das correntes. Ele quer fazer esquecer a resistência de homens e mulheres que, de mãos vazias, enfrentaram tanques, aviões e fuzis, sonhando com a liberdade. Ventura representa o mesmo olhar que via no negro apenas um corpo útil, uma força de trabalho, nunca um ser humano completo.

Mas nós, angolanos, sabemos de onde viemos. Conhecemos o preço da nossa dignidade. A independência de 1975 não foi apenas um ato político foi o fim de séculos de escuridão. Por isso, não aceitaremos que nenhum descendente do opressor venha ensinar-nos o que é democracia, liberdade ou desenvolvimento. O colonialismo não é uma opinião: é um crime histórico que Portugal ainda não teve coragem de reparar.

Ventura e os que pensam como ele deviam agradecer a África por ter dado ao mundo o sentido da resistência. Devem lembrar-se que foi nas matas do Moxico, nos campos do Huambo e nas ruas de Luanda que o império português desmoronou. E se hoje Portugal existe como país livre, é porque os povos africanos libertaram-se e libertaram também o colonizador do seu próprio veneno.

O discurso de Ventura é o retrato de uma mentalidade decadente. Ele quer ressuscitar fantasmas, mas a história não volta atrás. Angola não se ajoelha. A África não se cala. Somos filhos do fogo e da dignidade. E enquanto houver um só português que tente humilhar um africano, haverá milhões de vozes dispostas a recordar o que foi o colonialismo e a gritar a verdade que eles querem apagar: nós vencemos, e continuaremos a vencer.

Conclusão: o dever da memória e a urgência da consciência

É precisamente por isso que este episódio deve servir de alerta e de lição. A verdadeira independência não é apenas política; é também mental, moral e cultural. Precisamos, enquanto nação, de reforçar a educação cívica e moral nas escolas, nos lares e nas comunidades. É necessário ensinar às novas gerações o que foi o colonialismo, o que custou a liberdade e por que razão nunca podemos permitir que a história se repita.

A juventude angolana deve aprender a ver-se como herdeira de uma resistência heroica não como vítima de um passado, mas como construtora de um futuro. Devemos educar para o orgulho e para a consciência, para que nenhum André Ventura do mundo tenha o poder de nos humilhar novamente.

Cabe aos políticos, à sociedade civil e aos intelectuais reavivar a chama da dignidade nacional. É urgente cultivar o respeito pela história, a ética na política e o amor pelo país. Porque só com uma juventude instruída, consciente e moralmente firme poderemos garantir que os nossos filhos herdem um país verdadeiramente livre, soberano e respeitado.

O colonialismo matou corpos, mas não matou a alma de Angola. E é essa alma viva, luminosa e inquebrável que devemos transmitir às gerações futuras.
A resposta ao insulto de Ventura não é o ódio, mas a elevação moral de um povo que conhece o seu valor e que transforma a dor em força.

Do silêncio nasce a luz. ☀️

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